sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Acidente que Mudou a Minha Vida -2

Quando fui para o quarto do hospital, sentia que minhas forças tinham sido renovadas. Acreditava que estava bem e livre de qualquer perigo, contudo não imaginava o que ainda estava por vir.Percebi que meu braço e perna direita estavam enfaixados. Tanto a minha perna como o meu braço, necessitavam da troca diária de curativos. Porém, o braço era o que mais me preocupava, pois doía muito. Havia momentos em que achava que iria morrer, tal a intensidade da dor, era muito forte e esmagadora. Toda vez que a enfermeira trocava os curativos, meus gritos ecoavam pelo corredores do hospital. No entanto, o que ainda não sabia, era que a dor que estava sentindo havia sido causada por uma infecção que havia tomado conta do meu braço, ou seja, a famosa gangrena. Gangrena para quem não sabe, é uma necrose isquêmica (falta de suprimento sanguíneo, e consequentemente falta de oxigênio) que dá nas extremidades de um braço, mão, perna ou pé) seguida de invasão bacteriana e putrefação. No meu caso, a gangrena atingiu as extremidades do meu braço.Fiquei sabendo sobre essa infecção através de um médico chamado, Dr. Gilberto, cujo sobrenome não me recordo agora. Ele foi até o meu quarto para saber a causa de tantos gritos e sofrimento. Até então, nenhum dos enfermeiros e médico que estavam me acompanhando tinham comentando comigo ou com meus pais sobre essa infecção. Não tenho certeza, mas pode ser que a gangrena tenha atingido meu braço por descuido médico. No entanto, o que posso afirmar era que a dor estava piorando a cada dia. Segundo o Dr. Gilberto, se não fosse realizada uma cirurgia para amputação do braço, dentro de vinte e quatro horas eu morreria. Dois enfermeiros vieram conversar comigo para dizer o que aconteceria na cirurgia a qual eu seria submetida. Olhei para o rosto de cada enfermeiro e pude perceber como eles estavam penalizados e ao mesmo tempo desorientados. Não deve ter sido fácil para os enfermeiros, dar uma notícia como essa para uma garota de onze anos. Lembro-me que chorei tanto quando eles terminaram de me contar. Porém, eu tinha duas opções: ficar com o braço e morrer ou ficar sem ele e viver. Fui levada para a sala de cirurgia, e após aproximadamente quatro horas me levaram de volta ao quarto do hospital.No quarto, ainda anestesiada, pude perceber que meu braço já não estava mais ali...Novamente chorei, mas não estava tão assustada. Não sei se porque ainda era criança, mas não fiquei tão desesperada. O que passava na minha cabeça naquele momento era que um dia ainda poderia recuperá-lo. Não sei de que forma, mas acreditava nisso. Pensando dessa maneira, sentia que minha coragem novamente estava voltando.Dois dias após minha cirurgia, tive uma sensação estranha, era como se meu braço ainda estivesse ali. Podia sentir meu braço, minha mão, podia abrir e fechar a mão, levantar e abaixar o braço. Meus olhos não viam, mas eu podia sentir. "Será que eu estava enlouquecendo", pensei. Felizmente não estava enlouquecendo, para esse tipo de sensação, os médicos usam o termo “membro-fantasma”. Segundo eles, a área que representa as sensações que sentia no meu braço estava intacta no cérebro. Para o cérebro é como se o meu braço ainda estivesse lá. Sentia também uma dor ardente, como se fosse uma espécie de choque, só que bem de leve. Essa dor era muito forte e me incomodou durante um bom tempo. De acordo com os médicos, esta "dor do membro fantasma" é produzida pela ausência de impulsos nervosos do membro. Pois, quando um membro é seccionado, produz uma violenta descarga lesional em todos os tipos de fibras. Esta excitação diminui rapidamente e o nervo seccionado torna-se silencioso, até que novas terminações nervosas comecem a crescer. Isto implica que o sistema nervoso central dá conta da falta de influxo normal. No início, a dor que eu sentia, era constante, mas depois foi diminuindo bastante.Na próxima oportunidade, contarei mais detalhes sobre o membro e a “dor fantasma”.Penso que depois de amputada, mesmo após tanto sofrimento, o importante disso tudo é que mais uma vez consegui sobreviver. Para mim, nada é mais importante do que a vida! Queridos leitores, vivam a vida da melhor maneira que puderem!Texto escrito por Vera (Deficiente Ciente)
Postado por Professor Augusto às 09:08 0 comentários

domingo, 13 de dezembro de 2009

O acidente que mudou a minha vida - Parte 1

Dia quatorze de novembro, uma data que jamais esquecerei em toda minha vida. Nesse dia, acordei bem cedo, olhei o céu e o dia estava simplesmente lindo! Como um dia como aquele poderia terminar de uma maneira tão trágica. Segundo meu pai, antes do acidente, ele teve muitos pesadelos. Ele também disse que chegou a sonhar com que relatarei agora. Não sei se foi mau presságio ou uma fatalidade, mas aconteceu...Exatamente às cinco horas da tarde eu e meus três irmãos assistíamos o seriado Sítio do Pica Pau Amarelo, não perdíamos um capítulo sequer. No entanto, naquele dia fugimos da nossa rotina e não ficamos na sala de casa, como era de costume, para assistir o seriado. Até hoje não entendemos o porquê de não ficarmos na sala. Por que exatamente naquele dia não ficamos ali, quietinhos, sentadinhos, como sempre fazíamos? Existem certos acontecimentos em nossas vidas que fogem da nossa compreensão e do nosso entendimento. E assim eu e meus irmãos fomos para a frente de nossa casa para brincar. Eu tinha onze anos e meus irmãos respectivamente: dez, oito e três anos de idade.Fiquei ali, embaixo da marquise de casa, pulando corda com meu irmão do meio. Enquanto isso, meu outros irmãos brincavam quase perto da calçada. No momento em que pulávamos corda, eu e meu irmão brigamos, ele parou de brincar e se juntou aos meus outros irmãos. Incrível, só foi o tempo dele sair, para que uma parte da marquise desabasse sobre mim. Foi tudo tão rápido, de repente eu me vi coberta por grandes pedras de concreto e ferro, estava presa no meio de tudo aquilo. Não desmaiei, estava consciente, mas não entendia como tudo aquilo foi parar em cima de mim. Só conseguia ver uma vizinha gritando e desmaiando. Pensava comigo mesma, “Me tirem daqui, por favor!”, pois naquele momento não conseguia falar. Não sentia nenhuma dor, era como se todo o meu corpo estivesse anestesiado, acredito que se sentisse dor morreria naquele momento, pois seria insuportável. Minha mãe era a única pessoa em quem eu podia sentir força e coragem. Meu pai tinha acabado de voltar do trabalho e quando viu tudo aquilo se trancou no banheiro, foi preciso a ajuda dos bombeiros para retirá-lo de lá. Em relação aos meus irmãos, o mais velho só chorava, o do meio fazia um buraco na areia, pois dizia que queria se enterrar vivo e o mais novo gaguejava. Não foi só eu quem sofreu o acidente, mas toda minha família.Naquele momento as pessoas não sabiam o que fazer, então minha mãe, com toda coragem que possuía e possui, pediu aos vizinhos para que retirassem os escombros que estavam em cima de mim. Após a retirada dos mesmos ela me enrolou num lençol, enquanto ela me enrolava no lençol, via o estado em que tinha ficado meu braço e minha perna direita, meu braço estava mais comprometido. Perdi muito sangue. Minha mãe me carregou até o táxi solicitado por um vizinho. Coitado do taxista, deve ter ficado chocado em ver uma cena como aquela: eu segurando o meu braço direito todo dilacerado e minha mãe segurando minha perna também dilacerada, o sangue tomando conta do banco traseiro e eu gritando para minha mãe e para ele que não queria morrer. Dizia constantemente: Moço, corre mais rápido! Eu não quero morrer! Tenho uma vida pela frente! Ele e minha mãe me acalmavam e diziam que tudo terminaria bem.Quando dei entrada no hospital, sentia que minhas forças estavam me abandonando. Sentia que tudo estava terminando para mim. Nesse momento, tive duas sensações estranhas, é muito difícil relatar sobre isso, tentarei explicar, mas acredito que somente quem passa por uma situação como essa sabe do que estou falando. A primeira sensação era muito boa, de entrega, de paz, me forçava a ir embora, sentia que se eu fizesse aquilo todo meu sofrimento acabaria. A segunda sensação era bem diferente da primeira, era preciso lutar incansavelmente, reagir para não ir embora, me esforçar ao máximo. No meu íntimo, queria me entregar aquela sensação agradável, mas ao mesmo tempo não queria ir embora, precisava reagir, precisava ficar, tinha muitas coisas ainda para fazer, tinha uma vida para viver... e foi nesse exato momento que eu abri os olhos e consegui dizer ao enfermeiro, que tinha acabado de me colocar na maca, que não conseguia respirar. Imediatamente ele correu e me trouxe o balão de oxigênio. Fui levada ao centro cirúrgico e permaneci lá por quatro horas. Antes da cirurgia, o médico disse a minha mãe que a minha chance de sobrevivência era nenhuma, devido a gravidade dos ferimentos. Havia perdido muito sangue e ele acreditava que eu não resistiria a cirurgia. Contudo, minha mãe continuou confiante, acreditando em Deus e na minha recuperação. Ela disse dessa maneira ao médico: "Antes da minha filha estar nas suas mãos, ela está nas mãos de Deus".Após quatro horas de cirurgia, o médico veio comunicar a minha mãe que eu tinha conseguido sobreviver e que foi um milagre.Sai da sala de cirurgia e fui encaminhada para a U.T.I.(Unidade de Terapia Intensiva), pois existia ainda a possibilidade de risco de morte. No segundo dia de U.T.I., consegui abrir pela primeira vez os olhos, após a cirurgia. Percebi que havia sobrevivido, percebi que ainda tinha uma vida para viver e que dali para frente teria que aproveitá-la muito bem. Depois de uma semana na U.T.I., fui encaminhada para o quarto do hospital, onde permaneceria por três meses. Do quarto podia ver o céu, e por incrível que pareça, o dia estava lindo...Quero aproveitar este espaço e agradecer a todos que me ajudaram nessa difícil batalha: primeiro a Deus, se não fosse por ele não estaria aqui contando a história, as pessoas que me doaram sangue, aos vizinhos, ao taxista, aos enfermeiros, ao médico e a minha família, principalmente aquela que por nenhum segundo duvidou da minha recuperação e que esteve e está sempre ao meu lado, minha querida mãe.Texto escrito por Vera (Deficiente Ciente)
Postado por Professor Augusto às 10:56 0 comentários

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A PRECE DE UM JUIZ

SENHOR, eu sou o único ser na terra a quem Tu deste uma parcela de tua onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes.
Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se despojam.
Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas do condenado ou se lhe abrem, um dia, para a liberdade.
O meu veredito pode transformar a pobreza em abastança, e a riqueza em miséria.
De minha decisão depende o destino de muitas vidas, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento até à morte, à LEI que eu represento e à JUSTIÇA, que eu simbolizo.
Quão pesado e terrível é o fardo que puseste nos meus ombros !
Ajuda-me, Senhor! Faze com que eu seja digno desta excelsa missão !
Que não me seduza a vaidade do cargo, não me invada o orgulho, não me atraia a tentação do mal, não me fascinem as honrarias, não me exalcem as glórias vãs.
Unge minhas mãos, cinge a minha fronte, bafeja o meu espírito, a fim de que eu seja um sacerdote do Direito, que Tu criaste para a sociedade humana.
Faze de minha toga um manto incorruptível. E de minha pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala a trajetória da Lei, no caminho da justiça.
AJUDA-ME SENHOR, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com os que erraram. Amigo da verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da lei, mas antes de tudo, cumpridor da mesma. Não permita jamais que eu lave as minhas mãos como Pilatos diante do inocente, nem atire , como Herodes, sobre os ombros do oprimido, a túnica do opróbrio. Que eu não tema César e nem, por temor dEle, pergunte ao poviléu, se ele prefere "Barrabás ou Jesus "...Que o meu veredito não seja anátema candente e sim mensagem que regenera, a voz que conforta, a luz que clareia, a água que purifica, a semente que germina, a flor que nasce no estrume do coração humano.
Que a minha sentença possa levar consolo aos atribulados e alento ao perseguido. Que ela possa enxugar as lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos.
E quando diante da cátedra em que assento desfilarem os andrajosos, os miseráveis, os párias sem fé e sem esperança nos homens, espezinhados, escorraçados, pisoteados e cujas bocas salivam sem ter pão e cujos rostos são lavados nas lágrimas da dor, da humilhação e do desprezo, AJUDA-ME SENHOR, a saciar a sua fome e sede de justiça.

AJUDA-ME SENHOR! Quando as minhas horas se povoarem de sombra; quando as urzes e os cardos do caminho me ferirem os pés; quando for grande a maldade dos homens; quando as labaredas do ódio crepitarem e os punhos se erguerem; quando o maquiavelismo e a solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e inverterem as regras da Razão; quando o tentador ofuscar a minha mente e perturbar os meus sentidos.

AJUDA-ME SENHOR, Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu espírito; quando eu vacilar, alenta a minha alma; quando eu esmorecer, conforta-me; quando eu tropeças, ampare-me.

E QUANDO UM DIA, finalmente, eu sucumbir e já então como réu comparecer à Tua Augusta Presença para o último Juízo, olha SENHOR, compassivo para mim. Dita , SENHOR, a Tua Sentença. Julga-me como um Deus.
Eu julguei como homem.

( Obs. O autor desta belíssima e comovente oração, Dr. João Alfredo Medeiros Vieira foi Juiz de Direito da 9ª Circunscrição Judiciária de Santa Catarina, com sede em Joaçaba).